domingo, 18 de maio de 2008

O vidro

Aquele homem era um homem.
Aquela hora, ou a vida inteira, and nevermore. Contemplando ao fundo magnânimo a imensidão caótica de perdidos lumes, aquele homem percebe algo que jamais havia o feito: o mundo tem os seus olhos, seus ouvidos, a sua boca.
Era o décimo sétimo andar; estava diante do orbe lá de fora; mundo dos homens e de Deus. E só o que lhe separava naquele momento desse universo era um gigante pedaço de vidro, frágil e transparente. Abre a janela. O vento entra buscando preencher cada espaço vazio daquela sala, daquele homem. E era frio e o frio que fazia não era esse que a carne nos conforta. Cortava, seccionava. E o vento, maldito, trazia consigo todas os clamores e angústias daquele mundo cheio de ais. Gritos de socorro e de renúncia, nada de felicidade, só a morte e pirulitos de sangue.
Então, o homem sobe no parapeito da enorme janela e o vento em ascenção com ele. O suicídio é a saida. O sono é uma morte incompleta, a morte é o sono perfeito!
E por que não? O que ele teria a perder afinal?
A vida só lhe trazia tragédias. Quem vive, sofre. E não há aquele que pode dizer que não sofre, pois os mortos não falam. Logo, indo ao extremo, a única forma é morrer para parar de sofrer. No entanto, por outro lado, há na vida primores que a morte não nos pode trazer (não imagina-se). Lá fora há sabores a serem experimentados, idéias a serem tidas, véus a serem rasgados. O prazer faz da vida o que ela é. Tanto ruim quanto ótima. De um lado o prazer e do outro aquilo cujo nome lhe era desconhecido. O homem não sabia o que fazer, ou o que não fazer.
Então ele lembra de uma razão, a maior delas. O homem lembrou de Deus. Mas Deus, com todas as promessas que o seguem, lhe diz o que fazer ou o que não fazer? O homem pensou. Viu que a vida é um teste, segundo Deus, e que nada que aqui o homem possuia ele ia levar. Então de que lhe adiantava os prazeres da vida se eles eram tão vães e momentãneos, se eles não iriam quando a morte lhe vier. Aliás, a morte é o alívio máximo mesmo, segundo Deus. Todos os prazeres máximos, mas que não são prazeres, estão do outro lado. Eis que o homem se mata.
Coitado do homem que não quer olhar para si mesmo. Ver que o mundo tem seus olhos, seus ouvidos, sua boca. E ainda vive!

(Jonnas P. Silva)

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